O direito profissional e as prerrogativas de enfermeiras e enfermeiros obstetras em relação à saúde reprodutiva das mulheres foram restabelecidos no Distrito Federal. Após manifestação do Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) no processo movido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM-DF) – que buscava tornar a colocação de Dispositivos Intrauterinos (DIU) ato privativo do médico – o juiz Bruno Anderson Santos da Silva reconsiderou a liminar concedida inicialmente e reconheceu, com base nos elementos probatórios apresentado pelo conselho, que a Enfermagem também pode realizar o procedimento.
“Trabalhamos para reverter esse processo o mais rápido possível, pois proibir a Enfermagem de atuar na área traria um impacto negativo imediato para a população. A lei do exercício profissional prevê essa competência da Enfermagem, existe resolução normatizando a conduta e a prática mostra que enfermeiras e enfermeiros obstetras realizam o procedimento com segurança, competência e acuidade técnica. Portanto, temos que comemorar essa vitória”, considera o presidente do Coren-DF Elissandro Noronha.
Em sua decisão, o magistrado aduz que impedir a atuação da Enfermagem na realização do procedimento “limita o acesso de tratamento de saúde de indivíduos possivelmente em situação de vulnerabilidade social e econômica, na medida em que atinge, majoritariamente, mulheres que buscam atendimento da Atenção Básica de Saúde”.
Para o procurador do Coren-DF, Jonathan Rodrigues, a decisão cria uma jurisprudência altamente relevante para a compreensão do tema no Brasil. “Parafraseando Napoleão, eu diria que nunca devemos interromper quando o nosso adversário estiver errando. Esses dias foram angustiantes, mas com sabedoria conseguimos reverter o processo. O ataque se voltou contra o agressor e conseguimos provar na Justiça que a Enfermagem tem o direito de atuar na área”, pontua o advogado.
Entre outros argumentos, o Coren-DF e o Cofen defenderam que o tema é de repercussão social atinente ao direito humano em relação ao planejamento reprodutivo e que a colocação de DIU é apenas mais um dos procedimentos invasivos feito pelo enfermeiro, sem qualquer elevação de risco para a paciente. A prática é regulamentada pelas Leis 5.905/73 e 7.498/86 e normatizada pela Resolução Cofen 690/2022.
Nos autos, o magistrado reconheceu que “a decisão traz impactos na saúde pública, sendo que no Brasil 55% das gestações não são planejadas. Os enfermeiros expandiram o acesso ao DIU, e a prática, por enfermeiros qualificados, já acontece há muitos anos e é uma realidade na maioria dos países. A ampliação ao acesso é, assim, importante para garantir direitos”, asseverou.
De acordo com dados do Cofen, no Brasil, 55% das gestações não são planejadas. A gravidez indesejada é uma epidemia silenciosa, sobretudo entre adolescentes, contribuindo para o aumento da mortalidade materna e do número de abortamentos clandestinos. Contraceptivos de alta eficácia e longa duração, como DIU e implantes, apresentam taxas de insucesso inferiores a 1%, enquanto os mais utilizados, como pílula, injetáveis ou preservativos, de 8% a 12%. O difícil acesso ao DIU, usado por menos de 3% das brasileiras de 15 a 49 anos, contribui, portanto, para as altas taxas de gravidez não-planejadas.
A inserção do DIU por enfermeiros qualificados é uma realidade na maioria dos países civilizados há décadas, sem que seja verificado aumento de intercorrências. O Conselho Nacional de Saúde, instância máxima de controle social do SUS, reforça, na recomendação 07/2022, que as enfermeiras, enfermeiros e obstetrizes são profissionais habilitados para a realização de consulta de Enfermagem na área da saúde sexual e reprodutiva, inclusive na inserção de DIU. A ampliação do acesso é apoiada pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA/ONU), inclusive com capacitação de enfermeiros.