Assista, na íntegra, vídeo do Profissão Repórter
As maternidades brasileiras vivem duas realidades opostas: de um lado, o crescimento do parto humanizado; de outro, as denúncias de violência obstétrica e de negligências no atendimento. O Brasil tem uma das mais altas proporções de cesarianas do mundo: 55% dos nascimentos são por via cirúrgica. Na rede particular, esse número salta para 83%.
Violência durante o parto – O vídeo do parto de Alinca Fonseca se tornou um dos símbolos da luta contra a violência obstétrica. O vídeo registra a enfermeira sobre a mãe em um procedimento que hoje é contraindicado pela Organização Mundial de Saúde e proibido em países como a Inglaterra. Era o segundo parto de Alinca. Ela recebeu insultos do médico, uma enfermeira fraturou sua costela forçando sua barriga e ela foi proibida de tocar no bebê após o nascimento.
Mesmo sem uma lei federal que defina o assunto, Alinca está processado a equipe médica por violência obstétrica. O processo criminal está suspenso, o que pode ser feito em crimes de menor gravidade e quando os acusados não respondem por outros crimes. O processo no Conselho Regional de Medicina ainda está em andamento.
Alinca mandou as imagens para os produtores do documentário Renascimento do Parto. “Eu achei que era uma oportunidade daquele vídeo que me incomodava tanto servir pra alguma coisa”, conta.
Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, um grupo de mães que passaram por partos traumáticos se mobilizaram para cobrar respostas dos hospitais e alertar a população.
Benjamin, filho de Bibiana, sofreu uma paralisia cerebral quando nasceu em 2011 no Hospital Universitário de Santa Maria. “Ele tem um encurtamento dos tendões, deslocamento do quadril e luxação na bacia. Então, ele sente dor o tempo todo”, lamenta a mãe.
Bibiana Di Giacomo teve uma gravidez de alto risco e ficou de cama a partir do quarto mês porque sentia contrações. “Se eu tive uma gestação de alto risco, como eles não olharam meu prontuário? Muitos diziam que o parto poderia ter sido feito antes. Quando eu cheguei, os batimentos dele estavam normais. Mas depois os médicos e enfermeiros sumiram”, conta.
Bibiana entrou com processos contra o hospital há dois anos e aguarda julgamento. Hoje ela está grávida do segundo filho.
Pedro, filho de Inara, também teve paralisia cerebral no mesmo ano e no mesmo hospital que Benjamin. O menino tem que ser aspirado cerce de 30 vezes por dia. “Eu chamei a enfermeira, disse que tava com muita dor e sangrando. Ela nem se propôs a me examinar. Fiquei horas esperando. É uma cena de horror tentar pedir socorro e ninguém me socorrer”, afirma Inara.
Parto humanizado – O hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, é referência no parto humanizado e conta com salas específicas para isso. São cinco banheiras disponíveis, que ajudam no relaxamento entre as contrações do trabalho de parto.
O hospital já chegou a fazer mil partos por mês, mas com a falta de recursos úblicos, hoje tem feito uma média de 700. Mesmo assim, o hospital segue sendo uma referência nacional em parto humanizado e atende até mulheres com plano de saúde que preferem o serviço público. O Profissão Repórter acompanhou o parto da Karina Paiva, que mesmo com plano de saúde, optou por ter o filho no Sofia Feldman. Veja no vídeo acima.
Os partos naturais são a maioria no Sofia Feldman. As cesarianas correspondem a 26% dos partos, número menor que a médica brasileira, de 55%. Nos hospitais particulares, as cesárias são 83% do total de partos. As cesárias são necessárias quando o trabalho de parto não evolui e pode colocar em risco a mãe ou o bebê.
“A assistência ao parto normal humilha, diminui a paciente, não coloca a paciente como protagonista, muitas vezes é violento. A cesariana entra como uma salvação. Pra gente mudar a mentalidade de que a cesariana é melhor, a gente precisa mudar o modelo de assistência obstétrica”, afirma a obstetra Krisley Almeida.
Ajudando outras mães – Raquel Correa largou sua profissão, decidiu se tornar doula e ajudar mães que querem parto humanizado depois de sofrer uma experiência traumática no nascimento da sua primeira filha.
No caso de Raquel, os médicos aplicaram anestesia sem seu consentimento e realizaram manobras contraindicadas, como a que força o útero da mãe. “Eu vivi a pior experiência que poderia ter vivido de parto. Eu sofri diversas agressões, que na época eu não sabia que eram violência. Eu fui obrigada a ficar deitada, tive a bolsa rompida artificialmente, tive analgesia sem consentimento. Eu fui xingada porque estava me mexendo muito. Tive também a manobra de Kristeller, que é a manobra que você empurra o fundo uterino e que traz enormes riscos não só pro bebê, mas também pra mãe. Quando eles decidiram fazer a cesárea, não permitiram que meu marido acompanhasse. Acho que foi a pior parte pra mim”, relata Raquel.
Uma lei de 2005 obriga os hospitais do país a permitirem a entrada de um acompanhante em qualquer tipo de parto. Após o parto, a filha de Raquel foi reanimada e levada para a UTI, mas acabou morrendo 14 dias depois.
Desde que se tornou doula, Raquel já acompanhou mais de 200 partos. Seis meses depois de perder a filha, ela engravidou novamente e teve o Joaquim. Agora, ela está grávida novamente e diz que o parto será com uma equipe totalmente humanizada