O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) publicou nota técnica nesta segunda-feira, 2 de março, esclarecendo acerca da realização de trabalho voluntário para acumular experiência profissional. O conteúdo da nota está reproduzido a seguir.
NOTA TÉCNICA
Ementa: Apresenta posição do COFEN acerca do trabalho voluntário exercido por profissional de Enfermagem à guisa de adquirir experiência
Em resposta à consulta formulada por profissional inscrita no COREN-ES sobre o posicionamento do COFEN acerca do trabalho voluntário exercido por profissionais de Enfermagem em instituição empregadora desses profissionais, indagando se considera como “prática correta e positiva para a valorização profissional ou uma forma de exploração e negligência com as leis trabalhistas”, o Conselho Federal de Enfermagem vem esclarecer:
Trabalho voluntário pode ser compreendido como aquele que o trabalhador desenvolve sem remuneração e à guisa de contribuição para a vida em sociedade (1). Aquele que é desenvolvido em instituições que praticam este tipo de trabalho (2). Também existe a descrição deste trabalho desenvolvido por terceiros em empresa onde outros trabalhadores exercem o trabalho sob remuneração (1), na mesma linha de trabalho humanitário, com características próprias, como horário diferente da jornada de trabalho da instituição, periodicidade pactuada e em caráter filantrópico.
Por outro lado, o trabalho voluntário também pode ser desenvolvido sob a forma de serviço voluntário, desenvolvido por profissionais experientes e especializados, em situações de catástrofes naturais ou não, onde se exige do voluntário alta capacidade de tomar decisões, agir em situação de risco, de forma organizada e resolutiva. Este tipo de serviço é regulado, entre outras providências, pela Lei n.º 12.608/2013 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, onde o Estado admite o serviço voluntário e a ele recorre na vigência dos casos citados.
A Lei Ordinária n.º 5306/2012 (4) do município do Rio do Sul, no estado de Santa Catarina avança em relação ao serviço voluntário em Defesa Civil ao criar o Banco de Voluntários “constituído a partir de contingente capacitado à prestação de serviços sociais, comunitários ou ação em catástrofes naturais, em consonância com as ações do Executivo Municipal”. Pelas disposições desta Lei, voluntários são sempre pessoas com experiência e capazes de agir com presteza, habilidade e conhecimento, bem como segurança para tomar decisões rapidamente, para agir e para responder civilmente pelo que faz.
Quando o profissional de Enfermagem disponibiliza seus conhecimentos, habilidades e tempo nos casos de catástrofes ou calamidade pública, ele age em conformidade com os princípios éticos e legais, cumprindo com o dever instituído na Sessão I – Das responsabilidades de Deveres inerentes às relações do profissional com a pessoa, família e comunidade, conforme estabelece o Artigo 22 do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, aprovado pela Resolução COFEN n.º 311/2007 (5):
Art. 22 – Disponibilizar seus serviços profissionais à comunidade em casos de emergência, epidemia e catástrofe, sem pleitear vantagens pessoais.
Neste sentido, há que se conceber o serviço voluntário como ação humanitária exercida por profissionais que colocam sua expertise ao serviço das comunidades, sempre que a necessidade se manifesta. Na vigência de uma calamidade pública, o trabalho voluntário nunca poderá ser exercido por pessoas inexperientes, não tendo, pois, como objetivo, conferir experiência profissional aos que se consideram despreparados ou que, durante sua graduação, não buscou as diversas possibilidades de ampliar sua vivência prática.
Trabalho Voluntário pode ser entendido ainda como aquele desenvolvido pelo trabalhador em entidades de classe, o qual foi desenvolvido no Brasil a partir de 1950, no auge da reorganização social no período pós Ditadura Vargas, conhecido como Voluntariado Cidadão, muito importante para o desenvolvimento da organização social (6).
Na vertente levantada pelo inscrito, é questionada a posição do COFEN diante do profissional que busca ou aceita exercer o trabalho profissional a título de voluntariado, com o objetivo de adquirir/acumular experiência profissional. Nesta condição, é necessário compreender que o exercício voluntário do trabalho tem um lado positivo de ajuda humanitária, porém, quando considerado no âmbito do exercício profissional em situação não filantrópica e em instituição que é empregadora de profissionais gera problemas tanto para quem procura emprego como contribui para a precarização das relações trabalhistas.
O trabalho voluntário, tal como outras formas de colocação do trabalhador no mercado de trabalho, como o cooperativismo e outras, contribui para a configuração das mais distintas e diferenciadas formas de precarização do trabalho (7) e de expansão da informalidade – ampliando as formas geradoras do valor, ainda que sob a aparência do não-valor, utilizando-se de novos e velhos mecanismos de intensificação (quando não de auto-exploração) do trabalho (1).
É importante esclarecer que o trabalho voluntário não pode ser confundido com concessão de estágio, pois, esta modalidade de aquisição de experiência é própria do período de formação, sendo regulado por lei específica (Lei 11.788 de 25 de setembro de 2008) (8), sendo a responsabilidade pelo estagiário, segundo esta Lei, dividida entre a instituição concedente do estágio e instituição formadora do estagiário.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação do Enfermeiro, combinadas com o Parecer CNE/CES n,º33/2007 (10) estabelecem ainda que pelo menos dois semestres do curso devem ser dedicados a estágio supervisionado obrigatório, momento de consolidação do aprendizado. Se tal condição não confere confiança ao recém-formado, melhor seria que este permanecesse no âmbito do aparelho formador pelo tempo necessário ao exercício profissional seguro para si e para o outro.
Quando o autor do trabalho voluntário é profissional portador de diploma de conclusão de curso profissionalizante (graduação em Enfermagem ou de técnico de Enfermagem), legalmente habilitado para o exercício profissional pela inscrição no seu órgão fiscalizador ou quando a pretensão de obter títulos para currículo é a motivação, estas situações não podem causar prejuízo à disponibilização de vagas para emprego legítimo. Assim, não é apropriado que a busca pela experiência ou de títulos ocupe o lugar do efetivo emprego. O COFEN não deve corroborar com práticas desta natureza, pois o profissional está dificultando a entrada de colegas no mundo do emprego porque a tarefa que o empregado faria vem sendo por ele executada, sem ônus para a instituição, sem gerar vínculo empregatício e, portanto, sem honrar encargos e direitos trabalhistas.
No entanto, é possível que o indivíduo portador do certificado ou diploma entenda que pode assumir trabalho voluntário sem o devido registro no órgão fiscalizador. Se esta condição ocorrer, o problema se aprofunda pois, legalmente não existe amparo para a ação deste indivíduo, ninguém, nem o conselho nem o órgão formador se responsabiliza pelo seu trabalho e a instituição incorre em ilegalidade por manter em seus quadros pessoa sem amparo para o exercício profissional.
A função do Conselho de classe é proteger a incolumidade pública através da fiscalização do exercício profissional, o que, no caso da Enfermagem, foi regulado pela Lei n.º 5.905/73 que criou o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Enfermagem (11), um para cada estado da federação brasileira. Analisando-se os termos desta Lei não se encontra nenhum dispositivo que permita aos Conselhos Regionais reconhecer o trabalho profissional voluntário do enfermeiro como uma forma de inserção no mercado de trabalho imputando-lhe o dever de fiscalizá-lo.
Por outro lado, na Lei n.º 7.498/1986 (12), bem como no Decreto n.º 94.406/1987 (13), não há nenhuma referência ao trabalho profissional voluntário. Também no conjunto do arcabouço jurídico do exercício profissional de Enfermagem nada existe que ampare este tipo de inserção no trabalho, embora esteja normatizado que em todas as instituições de saúde deve haver o órgão de Enfermagem responsável pelas ações desenvolvidas pela equipe de Enfermagem sob a responsabilidade do enfermeiro, devendo haver enfermeiro em todos os turnos garantindo a continuidade do cuidado de Enfermagem.
Desta forma, existe emprego para os profissionais de Enfermagem, configurando-se, neste caso, o trabalho profissional voluntário como uma estratégia de trabalho informal, sendo ou não desenvolvido em escala diferente dos demais trabalhadores, porém com a mesma finalidade de desenvolver as mesmas funções dos profissionais empregados. Neste caso, é visto como estratégia de precarização do trabalho. Da mesma forma se a situação acontece na informalidade.
Pelo exposto, embora a decisão de praticar trabalho voluntário seja particular de cada pessoa, não é admissível que este voluntariado aconteça no âmbito do trabalho profissional da Enfermagem brasileira. Entende-se que o desenvolvimento de habilidade técnica e destreza manual é um processo iniciado nos cursos de formação profissional e que se completa no labor cotidiano mediante o exercício do trabalho e participação do trabalhador em programas de educação continuada ou permanente, capacitações técnicas, treinamentos e cursos de especialização conforme haja oportunidade.
O COFEN efetivamente pode incentivar a decisão particular do trabalhador de desenvolver trabalho voluntário, quando entendido como a disponibilização de saberes e tempo do trabalhador para fins humanitários, bem como deve e tem a competência legal para exigir dos serviços o cumprimento da Lei n.º 7.498/1986, verificando a legalidade do trabalhador para assumir o emprego e não o voluntariado.
Brasília, 15 de outubro de 2014
Osvaldo Albuquerque de Sousa Filho
Presidente do Conselho Federal de Enfermagem
Referências
Ricardo Antunes, « Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? », Configurações Online], 7 | 2010, posto online no dia 18 Fevereiro 2012, consultado o 12 Novembro 2012. URL : http://configuracoes.revues.org/230
Ortiz LMN. Gestão de voluntários no terceiro setor. Disponível em http://fidessocial.com.br/ArtigoGestaodeVoluntariosnoTerceiroSetor.PDF
Gabinete Civil. Lei n.º 12.608 de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC … e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm
Rio do Sul/SC. Prefeitura Municipal. Lei Ordinária n.º 5306 de 19 de junho de 2012. Dispõe sobre a criação do Banco de Voluntários Municipal no âmbito do município de Rio do Sul. Disponível em http://leismunicipa.is/gcsqa
Resolução 311/2007. Aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-3112007_4345.html
6. Joaquim CV, Santana JR, Martinez FR. Precarização do trabalho através do uso de cooperativas: estudo de caso na cooperativa de trabalho múltiplo de saúde do estado de Roraima. Revista de Administração de Roraima – RARR, Vol 3 n1, 2013. Disponível em: http://revista.ufrr.br/index.php/adminrr/article/view/1552
Araújo AMC, Lombardi MR. Trabalho informal, gênero e raça no Brasil do início do século XXI. Pesqui.vol.43 no.149 São Paulo May/Aug. 2013. Doi Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742013000200005&script=sci_arttext&tlng=es
Gabinete Civil. Lei n.º 11.788 de 25 set 2008. Dispõe sobre estágio de estudantes e dá ouras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11788.htm
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