O que procura?

Encontre serviços e informações

Parecer Técnico Coren-DF Nº 10/2011

ASSUNTO: O profissional de enfermagem poderá capacitar o cliente/paciente, acompanhante, familiar a realizar o autocateterismo no ambiente hospitalar e extra-hospitalar?

I – ANÁLISE:

Nos últimos anos, há significativo aumento de incidência das lesões medulares, principalmente nas grandes cidades. Esta grave síndrome neurológica incapacitante tornou-se um grande problema de saúde pública, atingindo, principalmente, pessoas jovens de 18 a 40 anos, do sexo masculino, que estão em plena produtividade socioeconômica. A principal etiologia é traumática causada por acidentes de trânsito, ferimentos por arma de fogo e mergulhos (GREVE, 1999).

Segundo Masini (2000) a incidência de lesão medular no Brasil é desconhecida, pois além de não ser sujeita à notificação, há poucos trabalhos publicados sobre a epidemiologia da lesão medular. Este mesmo autor cita que segundo estimativas epidemiológicas, no Brasil ocorrem anualmente mais de 10.000 novos casos de lesão medular, sendo o trauma a causa predominante.

Por ser de ocorrência súbita, as lesões medulares causam infortúnio de proporções desastrosas ao doente e à sua família, além do tratamento e reabilitação demandarem altos custos sociais. As internações prolongadas contribuem para muitas complicações, tais como: infecção respiratória, úlceras de decúbito, trombose venosa e embolia pulmonar (CAMPOS et al, 2008).

As lesões medulares são geralmente divididas em duas amplas categorias funcionais: tetraplegia e paraplegia. Tetraplegia refere-se à paralisia parcial ou completa dos quatro membros e tronco, incluindo os músculos respiratórios, e resulta de lesões da medula cervical. Paraplegia refere-se à paralisia parcial ou completa de parte ou ambos os membros inferiores e tronco, resultante de lesões da medula espinhal torácica, lombar ou das raízes sacrais (SCHMITZ, 2004).

As manifestações clínicas decorrentes da lesão medular dependem dos efeitos fisiopatológicos provocados pelo insulto, a saber: comprometimentos motores, sensoriais e respiratórios, alterações da termorregulação e vasomotora, hiperatividade reflexa medular (espasticidade e movimentos automáticos), disfunções intestinal, sexual e vesical (SCHMITZ, 2004).

Quanto a disfunção vesical, a bexiga neurogênica refere-se a falha na comunicação do sistema urinário com o sistema nervoso central, alterando a capacidade de enchimento ou esvaziamento vesical. As causas da bexiga neurogênica estão relacionadas a lesão medular, lesão raquimedular, disco vertebral herniado, esclerose múltipla, diabetes mellitus, por exemplo (CAMPOS, 2005).

Em se tratando de reabilitação, na concepção de Hollander et al (2004) o autocateterismo vesical intermitente (ACVI) é um procedimento utilizado mundialmente e um dos maiores avanços nos casos de disfunções vesicais. O ACVI – técnica limpa – introdução de um cateter na bexiga através da uretra pelo próprio paciente tem as seguintes vantagens: mantêm a integridade do aparelho urinário, previne infecções e complicações, aumenta a sobrevida dos portadores de bexiga neurogênica (ASSIS; MORESCHI E ERZINGER, 2011).

Smeltzer e Bare (2002) enfatizam que reabilitar é restaurar a independência da pessoa ou, quando isso não for possível, promover a independência e qualidade de vida, mediante processo orientado para os aspectos de natureza integral: físico, mental, espiritual, social e econômico.

A reabilitação requer da equipe multidisciplinar ações específicas às necessidades do lesado medular. Na área da enfermagem, a reabilitação requer dos enfermeiros habilidades para diagnosticar a capacidade dos portadores para serem agentes do autocuidado contínuos e efetivos (BRITO, 2007; DELISA et al, 2002).

Neste sentido, o enfermeiro ao planejar a reabilitação deve nortear o Processo de Enfermagem por uma teoria que facilita a identificação dos diagnósticos e assegura os resultados satisfatórios (GUERRA, SANTOS E ARAÚJO, 2002). As teorias de enfermagem pelo caráter científico embasam o cuidado, favorecem a aproximação entre prática, aperfeiçoam a atenção à saúde e conferem visibilidade para as ações de enfermagem (BRITO, 2007).

Dentre as teorias de enfermagem, a que mais se relaciona à atenção ao portador de lesão medular é a Teoria do Autocuidado definida como a prática de atividades realizadas pessoalmente pelos indivíduos em seu próprio benefício, na manutenção da vida, saúde e bem-estar. Considera a capacidade individual como “poder de agenciar” visando exercer ações deliberadas e aprendidas (OREM,1971,1980, 1985, 2001).

Destarte, a enfermagem deve identificar os déficits de capacidades individuais na execução do autocuidado. A concepção reabilitadora nesta Teoria é a participação ativa do portador no tratamento e definição de metas visando o maior nível de independência.

Quando as pessoas não conseguem cuidar de si próprias surge o cuidado dependente, pessoal continuado, de regulação e desenvolvimento, proporcionado por adultos responsáveis, aos latentes, crianças ou pessoas em situação de incapacidade (OREM, 1993).

Orem (2001) enumera alguns fatores (condicionantes básicos, externos e internos à pessoa), que podem afetar o planejamento das ações de autocuidado, ou o tipo e quantidade de autocuidado requerido. Há uma diversidade fatorial, dentre eles: fatores relacionados aos sistemas (cuidado à saúde, familiar), gênero, estado de desenvolvimento, estado de saúde, orientação sociocultural, padrão de vida, ambientais e adequação/disponibilidade de recursos (BRITO, 2007).

Sem dúvida que o conhecimento dos fatores, limitações e das habilidades dos pacientes para realizar o autocuidado fundamentam as decisões do enfermeiro sobre os métodos de ajuda válidos na situação real (OREM, 2001; BRITO, 2007).

Dentre as intervenções ao cliente com diagnóstico de bexiga neurogênica, Magalhães e Chiochetta (2002) afirmam que o enfermeiro dispõe de algumas medidas, dentre elas: ensinar a sondagem de alívio ao cliente ou à pessoa que presta o atendimento, pois esta sondagem imita a micção normal, previne a infecção, e mantém a integridade da junção uretrovesical.

Em conclusão, referente ao cateterismo vesical intermitente, o enfermeiro precisa considerar no processo de aprendizagem, o grau de comprometimento do cliente, identificando os “déficits” de capacidade às necessidades do autocuidado, procurando desenvolver nestes indivíduos, os potenciais para a prática do cuidado indicado; ou na inviabilidade do próprio cliente cuidar de si mesmo, planejar o cuidado dependente realizado pelo profissional de enfermagem competente.

II – DO PARECER:

CONSIDERANDO o Decreto nº 94.406/87 regulamentador da Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem e dá outras providências, a saber:

Art. 8º  Ao enfermeiro incumbe:

I – Privativamente:

b) organização e direção dos serviços de Enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;

c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços da assistência de Enfermagem;

e) consulta de Enfermagem;

f) prescrição da assistência de Enfermagem;

h) cuidados de Enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos científicos adequados e capacidade de tomar decisões imediatas.

CONSIDERANDO o Código de Ética dos Profissionais da Enfermagem expresso na Resolução 311/2007, em que assegura o direito e responsabilidades do profissional de enfermagem:

Art. 10 Recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência técnica, científica, ética e legal ou que não ofereçam segurança ao profissional, à pessoa, família e coletividade.

Art. 12  Assegurar à pessoa, família e coletividade assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.

CONSIDERANDO a implementação do Processo de Enfermagem em diferentes cenários, cujo teor da Resolução COFEN-358/2009, destaca:

Art. 1º  O Processo de Enfermagem deve ser realizado, de modo deliberado e sistemático, em todos os ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem.

§ 1º  Os ambientes de que trata o caput deste artigo referem-se a instituições prestadoras de serviços de internação hospitalar, instituições prestadoras de serviços ambulatoriais de saúde, domicílios, escolas, associações comunitárias, fábricas, entre outros.

§ 2º  Quando realizado em instituições prestadoras de serviços ambulatoriais de saúde, domicílios, escolas, associações comunitárias, entre outros, o Processo de Saúde de Enfermagem corresponde ao usualmente denominado nesses ambientes como Consulta de Enfermagem.

Art. 4º  Ao enfermeiro, observadas as disposições da Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986 e do Decreto nº 94.406, de 08 de junho de 1987, que a regulamenta, incumbe a liderança na execução e avaliação do Processo de Enfermagem, de modo a alcançar os resultados de enfermagem esperados, cabendo-lhe, privativamente, o diagnóstico de enfermagem acerca das respostas da pessoa, família ou coletividade humana em um dado momento do processo saúde e doença, bem como a prescrição das ações ou intervenções de enfermagem a serem realizadas, face a essas respostas.

CONSIDERANDO o Parecer nº 022/2009, exarado pelo Coren- SP CAT, que versa sobre o procedimento de sondagem, e recomenda a capacitação e educação permanente de toda a equipe de saúde, quanto a técnica de cateterismo e sua manutenção. Recomenda ainda a elaboração de normas e rotinas aos procedimentos, oferecendo maior segurança ao profissional no desenvolvimento da atividade, a fim de proporcionar melhor cuidado ao paciente.

CONSIDERANDO que o enfermeiro exerce papel fundamental como educador, facilitador da reabilitação e reintegração do indivíduo e família na sociedade, contribuindo na independência e responsabilidade para seu autocuidado (OREM, 1985, MAGALHÃES e CHIOCHETTA, 2002).

CONSIDERANDO as experiências bem sucedidas de autocuidado referentes a procedimentos invasivos (autocaterismo) registradas na literatura.

III – CONCLUSÃO:

Considerando o exposto, somos de parecer que:

O cateterismo vesical intermitente é um procedimento indispensável aos portadores de bexiga neurogênica, pois aumenta a sobrevida, melhora o tratamento e reduz as infecções.

Antes de realizar a capacitação é preciso verificar se a unidade de saúde de referência tem programa organizado no qual o profissional de enfermagem da área possa atender a demanda e realizar o cateterismo vesical intermitente, àquele que tem a indicação deste procedimento, conforme a prescrição que muitas vezes é de 4 em 4 horas para simular uma micção normal.

O planejamento e a capacitação do cateterismo vesical intermitente são atribuições privativas do enfermeiro, pois, requer conhecimento técnico-científico, tomada de decisões, análise dos fatores condicionantes, diagnóstico da capacidade dos indivíduos serem agentes do autocuidado contínuo e efetivo e prescrição segundo a categorização de cuidado independente ou dependente.

Para os casos de cuidado independente, o enfermeiro pode capacitar o paciente sem “déficits”, que apresenta condições satisfatórias para aprender, autogerenciar e realizar o autocateterismo vesical intermitente, proporcionando ao mesmo independência e melhora na qualidade de vida.

Nas situações de cuidado dependente, quando as pessoas apresentam fatores condicionantes que as impedem de cuidar de si próprias, tais como as crianças ou pessoas com “déficits” de capacidade, o cateterismo vesical intermitente deve ser realizado pelo profissional enfermeiro, outro profissional de enfermagem ou familiar designado pelo Enfermeiro e capacitado por este, conforme fundamentação descrita no parecer Coren-DF Nº 004/2011.

Nos casos do paciente capacitado, todas as fases de educação e capacitação do procedimento devem estar sob orientação e supervisão do enfermeiro, que adotará o Processo Enfermagem para avaliar o autogerenciamento da sondagem pelas pessoas devidamente capacitadas.

Este é o nosso parecer.

Brasília, 1 de julho de 2011.

Dra. ONÃ DA SILVA APOLINÁRIO

Coren-DF 41605-ENF

Relatora e Membro da CTA do Coren-DF

 

REFERÊNCIAS:

 

ASSIS, GM; MORESCHI,T; Erzinger, AR.  Autocateterismo intermitente – técnica limpa: o conhecimento dos enfermeiros da rede pública municipal de saúde. Disponível em: <http://www.sobest.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=274>. Acesso em 28 mai 2011.

ATKINSON, L.D.; MURRAY , M.E. Fundamentos de Enfermagem: Introdução ao processo de enfermagem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.

BIAZIN, D T. Locus de controle e sucesso no autocaterismo. Acta Paul Enf., São Paulo, v.8, n.1, p.47-60, jan/abr, 1995

BRASIL. Lei 7.49813. Lei 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre Lei 7.498  a regulamentação do exercício da enfermagem e dá outras providências. Disponível em: <http://site.portalcofen.gov.br/node/4161>. Acesso em 3 marc 2011

BRASIL. Decreto 94.406, de 8 de junho de 1987. Regulamenta Lei n. 7498/86 que dispõe sobre o exercício da enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial. Brasília, 09-06-87. Seção 1, p. 1, fls 8853-5.

BRITO, M.A.G.M. Diagnósticos de enfermagem da NANDA identificados em pessoas com lesão medular mediante abordagem baseada na teoria do déficit do autocuidado. 227f. Dissertação (mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2007

CAMPOS, MF; RIBEIRO,AT; LISTIK, S; PEREIRA, CAB; Sobrinho, JA; RAPOPORT, Abrão. Rev. Col. Bras. Cir. vol.35 no.2. Rio de Janeiro Mar./Apr. 2008

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução 311/2007. Aprova o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: <http://site.portalcofen.gov.br/node/4394>. Acesso em 8 abr 2011.

CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM (SP). Parecer CAT nº 022/2009: assunto sondagem vesical de demora no domicilio. São Paulo, COREN SP, 2009.

GREVE, JMA; ARES, MJ. Reabilitação da lesão da medula espinhal. In: Greve JMA, Amatezzi MM. Medicina de reabilitação aplicada à ortopedia e traumatologia. São Paulo: Roca; 1999. p.323-24.

GUERRA, E.M.D; SANTOS, F.L.M.M; ARAÚJO, T.L. O cuidar fundamentado em Orem. Ver. Nursing. V.49, n.5, p.24-9, jun.2002

HOLLANDER, J.B; DIAKNO, M.D; ANANIAS, C. Cateterismo Intermitente Limpo – Uma Atualização. Disponível em www.uronews.org.br. Acesso em 23/10/2005

LIANZA, S; CASALIS, MEP; GREVE; JMA, EICHBERG, R. A Lesão Medular. In: Lianza S. Medicina de Reabilitação. 3 Ed. Rio de Janeiro: Guanabara; 2001. p.  299-00

LUCCHETTI, G . Infecções do trato urinário: análise da freqüência e do perfil de sensibilidade dos agentes causadores de infecções do trato urinário em pacientes com cateterização vesical crônica. Jornal Brasileiro Patologia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 41 n. 6  p. 383-9, 2005.

MAGALHÃES, AM; CHIOCHETTA, FV. Diagnósticos de enfermagem para pacientes portadores de bexiga neurogênica.  Revista Gaúcha Enfermagem, Porto Alegre, v. 23, n. 1, p. 6-18, 2002.

MASINI, M. Tratamento das fraturas e luxações da coluna toracolombar por descompressão póstero-lateral e fixação posterior com retângulo e fios segmentares sublaminares associados a enxerto ósseo [dissertação]. São Paulo (SP): Escola Paulista de Medicina; 2000.

OREM, D.E. Modelo de Orem. Conceptos de Enfermeria em La Pratica. 4. Ed. Barcelona: Masson/Salvat: 1993

_____, D.E. Nursing. Conceptos of Practice. 6.ed. St Louis. Missouri: Mosley, 2001

SCHMITZ, T.J. Lesão Medular Traumática. In: O`Sullivan SB, Schmitz TJ. Fisioterapia Avaliação e Tratamento. 4 ed. São Paulo: Manole; 2004. p.874-87.

SMELTZER, S.C; BARE, BG. Brunner e Suddart. Tratado de Enfermagem Médico Cirurgica. 9ª Ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2002. V.1